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Socorro! Quero Mudar de Curso!

Inês Sá, 20 anos, vai buscar inspiração às suas mood boards e ouve reggaeton às escondidas.

Mariana Ferreira, 22 anos, considera-se ex-física e nunca saiu da “idade dos porquês”.

Inês e Mariana, como tantas outras pessoas no mundo, não tiveram a sorte de acertar à primeira num curso com que se identificavam. Inês esteve em Engenharia Informática na Faculdade de Engenharia do Porto e a Mariana passou pela Universidade do Minho em Física.

Atualmente, são alunas da Faculdade de Economia do Porto e estudam Gestão. A Mariana no terceiro ano e a Inês no primeiro. 

Este é o seu testemunho.

Um ponto de partida: terminei o secundário, e agora, para onde vou?

Inês: O objetivo ao longo de todo o meu percurso escolar sempre foi tirar as melhores notas a fim de que a minha escolha de curso fosse a mais ampla possível. O problema começou quando o “fim” se aproximava. “E agora, que curso ia escolher? Que cursos tinham muita “saída” e bons salários?”. Tinha de tomar uma das decisões mais importantes de sempre, aquela que ia definir o resto da minha vida, ou assim pensava eu! Não ajudava à minha decisão a franca dificuldade que eu assumia outrora em identificar a minha potencial vocação. Sentia-me perdida e paradoxalmente eternamente curiosa.

Acabei por pedir ajuda a amigos mais velhos, que me aconselharam seguir a área das engenharias. Narravam-me serem apostas muito boas, com um vasto leque de saídas e recordo-me de especificarem a engenharia informática como sendo o futuro.

Mariana: Sempre fui uma miúda alegre com mil e um hobbies. Adorava continuamente questionar-me, as coisas mais simples fascinavam-me e orgulho-me de nunca ter ultrapassado a “idade dos porquês”. Carrego em mim a agitação de saber que nunca terei tempo para viver tudo o que gostaria e por isso desafio-me a focar-me num dia de cada vez. 

Escolher um curso foi, portanto, um tormento, não sabia o que queria e paradoxalmente tudo queria experimentar. Queria tirar todas as minhas dúvidas, faz parte da minha personalidade, preciso de “pôr as mãos na massa” para me descobrir, para me responder.

Tal como a Inês, para mim escolher o curso com mais “saída” e bons salários eram critérios chave na escolha de curso. 

Derivada da agitação, os meus pais sugeriram-me algumas sessões psicotécnicas no secundário para me ajudar a clarificar qual seria o meu caminho. Acabei por escolher Física, a ciência que mais gostava e que mais sentia gosto a estudar.

Oops, afinal não era isto: odeio este curso!

Inês: Percebi que não estava no curso certo logo na primeira aula de programação. Todos os meus colegas estavam a fazer exercícios e eu nem sequer sabia por onde começar. Acabou a aula e eu, entre lágrimas, só pensava onde é que me tinha metido. Eu que nunca tinha ligado a tecnologias estava num curso de engenharia informática! 

Só o pensamento de ter trabalhos de grupo deixava-me num estado de ansiedade limitante, ninguém queria ficar em trabalhos comigo e quem os podia censurar? Não é o apoio moral que faz o trabalho sozinho! Por mais que me empenhasse, o esforço parecia nunca ser recompensado e sentia-me incompetente e triste todos os dias naquele curso.

Apesar de saber perfeitamente que não gostava do curso, que odiava programar e que nunca na vida queria seguir aquilo no meu futuro, havia uma parte de mim que dizia para não desistir, que já me tinha integrado muito bem, que já tinha toda uma rotina, que todos os meus amigos estavam lá e que devia continuar a tentar, que se os outros estavam a conseguir, eu também iria conseguir!

Ao fim de dois anos, finalmente percebi que não estava no curso certo! Que necessitava de priorizar a minha felicidade e saúde mental, que devia fazer uma coisa que gostasse. Demorei dois anos a tomar esta decisão porque durante demasiado tempo ignorei o problema!

Mariana: Perceber que não era este o curso que queria para mim foi um processo de reflexão muito longo. Por um lado, por ser um curso com poucas pessoas, sentia-me deslocada e desenquadrada e por outro, todo o processo de adaptação à vida universitária estava a ser desafiante. Sentia falta da minha vida de secundário, sentia saudades dos meus amigos e invejava a realização que sentiam nos seus cursos.

No início do meu segundo ano em Física candidatei-me à U.DREAM (UD). A UD era, na altura, uma organização que se dedicava a ajudar crianças e as suas famílias em fases de vida complicadas. Hoje, multiplicou-se além das expectativas e  tornou-se em algo bem maior! 

Apaixonei-me pela UD na primeira sessão de apresentação. Candidatei-me, entrei e a minha vida passou a ser a UD, as amizades que tinha lá, o trabalho e as equipas com quem trabalhava. Foi neste primeiro semestre que comecei a deixar de conseguir ignorar o “elefante” na minha vida: Este curso não é para mim!

Custou mas sobrevivi!

Inês: A decisão de mudar de curso não foi fácil, o apoio dos meus pais e amigos foi muito importante! Saber que ia para um curso que ia gostar mais, com o qual me identificava, ajudou a sentir-me mais segura da minha decisão. Entretanto encontrei-me na fase de contar às pessoas que tinha trocado, explicar o porquê e sentir os olhares reprovadores. Todavia, para minha surpresa muitos também foram de admiração, não só por ter tido a coragem de mudar mas igualmente por me ter permitido seguir aquilo que me fazia feliz!

Mariana: O processo de mudança foi longo e obrigou-me a crescer muito. Optei pela via, com ajuda dos meus pais, de começar a ter consultas de psicologia vocacional. Foi uma fase muito ansiosa e difícil para mim, sentia-me frequentemente agitada, sem rumo. Quando dormia, dormia demais e os meus dias eram indisciplinados e desmotivantes. 

Tinha de me conhecer para decidir e tinha de o fazer rapidamente! Por isso, dediquei o segundo semestre em Física com a UD, a tirar a carta de condução e a ter debates internos. Obriguei-me a sair da caixa das limitações e expectativas que me tinha colocado: “Bons salários”, “boas saídas” e, durante meses, fiz o sucessivo exercício de me permitir questionar sobre o que realmente eu queria para mim. Foi uma fase bastante importante para mim.

É incrível como por vezes o ser humano é bem mais resiliente e capaz do que se dá crédito, por vezes…

Custou muito, mas mais do que sobrevivi!

Não estás sozinho/a!

Inês: Ainda hoje é um assunto sensível. Deixou-me marcas, marcas essas que não foram necessariamente negativas. Impactou-me, obrigou-me a crescer, desafiou-me a priorizar a minha saúde mental e felicidade. Finalmente posso afirmar que: sou feliz.

E tu, sentes-te perdido/a? Não estás a gostar do curso? 

Não tem que ser o fim do mundo!

Procura ajuda, fala com os teus amigos, com os teus pais, com aqueles que te querem bem! Procura apoio psicológico, não é vergonha nenhuma! A tua faculdade tem certamente algum psicólogo habituado a lidar com estas situações e que te vai ajudar! 

O melhor conselho que te posso dar é: parares de ignorar o problema; ele não vai desaparecer sozinho! Para e ouve o teu coração. O que é que tu gostas realmente? Tu no fundo sabes e sempre soubeste. Não tenhas medo de seguir a tua felicidade!

Mariana: Já lá vão 3 anos desde que mudei de curso. O assunto está curado em mim. Hoje estou num curso que gosto e acima de tudo que me vai permitir abrir as portas certas para o tipo de trabalho que mais me vejo fazer. 

Se te estás a sentir perdido/a e não te identificas com o  curso em que estás, o que eu te aconselho é coragem. Coragem para pensares em ti e no que realmente gostas te vês a fazer, coragem para questionares quem está onde tu queres estar, coragem para destruíres e te libertares das limitações que colocaram em ti ou tu te colocaste e coragem para não sentires que “perdeste” tempo num curso que não levaste até ao fim. “O que são 2-3 anos numa carreira de 30-40?”

A vida é curta para não fazermos o que gostamos!

Inês Sá

Autora

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Mariana Ferreira

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